O novo código das aproximações eróticas
Ele tira dos ombros dos homens o peso de atuar de forma permanente no papel de predador em que muitos não se reconhecem - e oferece às mulheres uma troca mais delicada, na qual também podem ser ativas
Os homens da minha geração aprenderam que mulheres são conquistadas com atrevimento e exibições de segurança. Nosso ideal de masculinidade incluía desenvoltura ao seduzir e iniciativa sexual permanente. Havia um quê de predação nessa atitude, uma agressividade que chegava às raias do assédio, mas costumava estar bem. Era assim que o mundo girava e que os casais se formavam. Ou não.
Basta olhar em volta para ver que as coisas mudaram.
As mulheres reclamam ao analista que não são mais abordadas nos bares e nas baladas, e que tudo se reduziu ao contato frio dos aplicativos. Os caras têm dificuldade em fazer o papel de Don Juan que esperam de si mesmos, e que acreditam ser também a expectativa das mulheres.
Vamos, pela força da internet e das novas regras de conduta, nos tornando mais parecidos com as culturas do Norte do planeta, onde o respeito às mulheres e a segurança social de que elas desfrutam têm como contrapartida a perda da espontaneidade nas trocas eróticas. Muitos não dizem o que têm vontade de dizer e muitas não escutam aquilo que gostariam de escutar.
Isso é bom ou ruim?
Há mulheres e homens deslocados nessa nova cultura de aproximação. Elas fantasiam ser arrebatadas por um cara de atitude viril, que demonstre potência e segurança no trato com elas. Eles sentem falta de espaço social para fazer e dizer coisas atrevidas, condizentes com seus impulsos. As fantasias sexuais dessas pessoas não cabem no protocolo seguro que vai se tornando norma - e isso pode ser muito frustrante.
Mas, em vez de reclamar nas redes sociais ou cometer barbaridades, as pessoas insatisfeitas talvez pudessem se esforçar para entender os sinais que vêm do outro. A sexualidade é uma linguagem e nos cabe achar no mundo quem fala o nosso idioma. Não adianta dizer coisas espontâneas que o outro não quer ou não consegue entender. Quem fizer isso ficará falando sozinho. Ou coisa pior.
Eu tinha um amigo nos 70, gay e divertidíssimo, que costumava dizer, às gargalhadas, que “boi preto conhece boi preto”. Era o jeito dele explicar que, mesmo em ambientes repressivos, era possível identificar potenciais parceiros pela troca sutil de olhares e pela direção da conversa. Quem sente falta de pimenta ou de pegada nas aproximações sexuais está ficando na situação do meu amigo nos anos 70. Precisa dar um jeito de sacar, pelos sinais, quem ao redor é do babado, para não ficar falando sozinho ou correr o risco de ser enxotado e cancelado.
Posto isso, tem muita gente confortável com a contenção masculina e com o novo ambiente de aproximação que ela propicia. As mulheres estão mais seguras nas situações sociais, com risco menor de serem abordadas de forma inconveniente por caras que não entendem a palavra “não”. Elas mesmas podem tomar a iniciativa sexual se acharem que é o caso; são perfeitamente capazes de sinalizar o que desejam sem serem atropeladas pelo desejo imperativo do outro – e muitas mulheres gostam disso. Depois de eras de passividade sexual forçada, descobrem felizes o prazer de serem ativas.
Do lado dos homens há mais trabalho a fazer.
As fantasias de masculinidade onipotente, ainda correntes entre meninos dos 15 aos 65 anos, são a tortura dos tímidos e a droga alienante dos atirados. Uns sentem que deveriam ser capazes de abordar qualquer mulher, em qualquer situação, e sofrem por não conseguir fazer isso. Sentem-se menos homens. Os outros não entendem que, por mais malhados e depilados que sejam, por mais sedutores que se imaginem, as mulheres podem não estar interessadas no seu atrevimento. Sentem-se incompreendidos na sua versão de masculinidade.
Demora décadas para um sujeito tímido entender que as cantadas na fila do banheiro talvez não sejam para ele – e que está tudo bem, porque há outras maneiras de se aproximar e seduzir. O outro, ao contrário, pode passar a vida reclamando que as mulheres e o mundo não o entendem na sua espontaneidade de homem heterossexual “autêntico”. Um se angustia por não atingir o desempenho social e sexual que julga adequado a um homem “de verdade”. O outro se revolta contra um cenário no qual a sua ideia de virilidade performática não tem mais tanto público. Poucos estão felizes consigo mesmos e com a sua forma de se relacionar com as mulheres.
O novo código das aproximações, mesmo provisório, mesmo disputado e incerto, talvez melhore as coisas. Ele tira dos ombros de muitos homens o peso de atuar de forma permanente num papel de predador em que muitos não se reconhecem. E as mulheres, que sofrem há gerações com caras que não as escutam e nem as percebem como pessoas, têm a chance de viver outro tipo de abordagem erótica - mais delicada, menos assimétrica, com papeis mais flexíveis, até mesmo invertidos. Olhar, sorrir e esperar são jeitos de seduzir que servem aos dois, afinal.
Haverá, sempre, homens e mulheres para quem esse arranjo suave não basta, e está tudo bem. A esses, cabe procurar outro boi preto na sala. Se as minhas impressões têm fundamento, é provável que haja um deles por perto.
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Ivan Martins é psicanalista e escritor, autor dos livros “Alguém especial” e “Um amor depois do outro”.